SEGURO DE VIDA EM GRUPO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEFENDIDO O DIREITO À INDENIZAÇÃO NA TOTALIDADE DO CAPITAL SEGURADO COM BASE NA AUSÊNCIA DE CIENTIFICAÇÃO ACERCA DAS CLÁUSULAS GERAIS RESTRITIVAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Acompanhamento ProcessualProcesso: 0002588-24.2014.8.24.0073 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Felipe Schuch
Origem: Timbó
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 10/09/2020
Juiz Prolator: Fabíola Duncka Geiser
Classe: Apelação Cível
Apelação Cível n. 0002588-24.2014.8.24.0073
Apelação Cível n. 0002588-24.2014.8.24.0073, de Timbó
Relator: Des. Luiz Felipe Schuch
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEFENDIDO O DIREITO À INDENIZAÇÃO NA TOTALIDADE DO CAPITAL SEGURADO COM BASE NA AUSÊNCIA DE CIENTIFICAÇÃO ACERCA DAS CLÁUSULAS GERAIS RESTRITIVAS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA SEGURADORA RÉ.
ALEGADA INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DEVER DE TRANSPARÊNCIA E DE INFORMAÇÃO. ACOLHIMENTO. APÓLICE QUE INFORMA ACERCA DA INDENIZAÇÃO EM CASO DE INVALIDEZ PARCIAL DE ACORDO COM AS CONDIÇÕES GERAIS CONTRATUAIS EM PODER DA ESTIPULANTE. RECEBIMENTO DA APÓLICE PELO SEGURADO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUANTO ÀS CLÁUSULAS RESTRITIVAS DO BENEFÍCIO CONTRATADO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO INTEGRAL DO CAPITAL SEGURADO PORTANTO INCABÍVEL. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. INVIABILIDADE DE SE TER COMO BASE A INCAPACIDADE LABORAL. LIMITAÇÃO AO TRABALHO AFASTADA PELO PERITO. ARGUMENTO DO AUTOR/APELADO RECHAÇADO. INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL À INCAPACIDADE DETECTADA. TABELA INCORPORADA À APÓLICE QUE ESTABELECE PERCENTUAIS SOBRE O VALOR PREVISTO NO CERTIFICADO INDIVIDUAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO QUANTO AO CÁLCULO UTILIZADO PELA RÉ ADMINISTRATIVAMENTE NA AFERIÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. PLEITO DE INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA CONTRATAÇÃO. ACOLHIMENTO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. ALTERAÇÃO DO JULGADO NESTA INSTÂNCIA. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. CONDENAÇÃO DO AUTOR AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, CONFORME O ART. 85, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, POR TER DECAÍDO DE GRANDE PARTE DOS PEDIDOS. EXIGIBILIDADE SUSPENSA ANTE A CONCESSÃO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0002588-24.2014.8.24.0073, da comarca de Timbó (1ª Vara Cível), em que é apelante Mapfre Vida S.A. e apelado Zenilto Jose Mengarda.
A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais e, tendo decaído de grande parte dos pleitos, condenar o autor ao pagamento integral das custas processuais e da verba honorária em favor dos patronos da suplicada, nos termos da fundamentação, ficando suspensa a exigibilidade em face do benefício da justiça gratuita, consoante o art. 98, § 3º, do CPC. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Desembargador Helio David Vieira Figueira dos Santos, com voto, e dele participou o Desembargador José Agenor de Aragão.
Florianópolis, 10 de setembro de 2020.
Luiz Felipe Schuch
RELATOR
RELATÓRIO
Zenilto Jose Mengarda ajuizou demanda em face de Mapfre Vida S.A., objetivando complementar o valor da indenização prevista em apólice de seguro de vida em grupo. Aduziu ter sido vítima de acidente de trânsito, em 13-1-2014, que resultou na fratura da clavícula esquerda. Sustentou incapacidade laboral parcial e permanente, em virtude da dor, bem como da perda de força e movimentos circulares do ombro esquerdo. Alegou ter recebido apenas a quantia de R$ 3.162,39, mas que possui direito à integralidade do capital segurado (R$ 25.299,18), já que não foi informado a respeito da graduação da lesão para fins de cálculo da indenização. Argumentou, ainda, que deve ser considerada a incapacidade de o segurado exercer seu labor cotidiano.
O benefício da gratuidade da justiça foi concedido à fl. 45.
A companhia seguradora, em contestação, refutou os argumentos deduzidos na inicial.
Réplica às fls. 101-109.
A julgadora singular determinou a produção de prova pericial (fls. 110-111).
As partes apresentaram quesitos (fls. 112-113 e 117-118).
O laudo do expert repousa às fls. 140-143, a respeito do qual os litigantes manifestaram-se às fls. 148-149 e 153-155.
Após as alegações finais (fls. 158-159 e 164-168), a magistrada de primeiro grau julgou procedente o pedido exordial, nos seguintes termos:
Do exposto, resolvo o mérito julgando procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, I, do CPC), para condenar ré ao pagamento em favor do autor do valor de R$ 22.136,79, atualizado monetariamente pelo INPC, desde o a data da celebração do contrato, e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento), a partir do evento danoso (comunicado extrajudicial 19/05/2014, fl. 32).
Condeno a parte passiva ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.
Está igualmente obrigada a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pelo(s) vencedor(es), conforme art. 82, § 2º, do CPC.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte antes referida ao(s) advogado(s) do(s) litigante(s) vencedor(es) no percentual de 10% sobre o valor da condenação, conforme art. 85 do CPC.
Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a empresa ré interpôs apelação. Busca a reforma da decisão, ao argumento de que não se encontra em consonância com entendimento jurisprudencial, no sentido de que "quem contrata o seguro junto à seguradora é a empresa estipulante, no caso a empregadora do recorrido, cabendo a esta dar ciência ao Grupo Segurado acerca das coberturas contratadas" (fl. 185). Dessa forma, defende o pagamento de indenização em valor proporcional ao grau da lesão sofrida, nos termos das condições gerais de fls. 69-96. Aduz que, segundo o laudo pericial, a incapacidade permanente é parcial, o que afasta a indenização no montante integral previsto na apólice. Alega que, levando em consideração a previsão contratual de 25% para o caso de anquilose total de um dos ombros, bem como a apuração pelo expert da perda funcional de 50% em relação ao ombro esquerdo, a indenização deve recair em 12,5% sobre o capital segurado (R$ 25.299,18), equivalente a R$ 3.162,39, já pago extrajudicialmente. Na hipótese de manutenção do decisum, sustenta que os juros de mora devem incidir a partir da citação (fls. 180-204).
Contrarrazões às fls. 210-217. Em preliminar, suscitam ausência de dialeticidade entre as razões recursais e a sentença, entendendo tratar-se de mera reprodução dos argumentos da contestação.
O feito foi sobrestado e encaminhado ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes - NUGEP por "haver discussão acerca da licitude das cláusulas contratuais constantes no seguro de vida em grupo em questão e sobre a responsabilidade do dever de informação atinente às clausulas contratuais limitativas ou restritivas, se da seguradora/ré ou da estipulante/empregadora", diante de decisão da lavra do 3º VicePresidente, no Recurso Especial n. 0016739-97.2013.8.24.0018/50001, proferida em data de 6 de setembro de 2018, que determinou a suspensão do processamento dos feitos que versassem sobre a questão (fls. 221-222).
À fl. 225, foi certificada a cessação do sobrestamento.
VOTO
De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.
O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A julgadora singular ao acolher o pedido inicial e condenar a requerida ao pagamento de "R$ 22.136,79, atualizado monetariamente pelo INPC, desde o a data da celebração do contrato, e acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento), a partir do evento danoso (comunicado extrajudicial - 19/05/2014, fl. 32)", considerou que "são inválidas as cláusulas gerais não devidamente informadas ao contratante (cuja prova geralmente se dá através da assinatura de seus termos)" e, portanto, entendeu que "não deveria ser concedida eficácia à redução do percentual da indenização para 12,5% na hipótese (fl. 55), prevalecendo a taxa devidamente informada na apólice, que é de 100% sem qualquer ressalva (fl. 29), com relação à cobertura securitária em tela" (fls. 175 e 177).
Para tanto, fundamentou que "as cláusulas gerais de contratos somente obrigam as partes quando houver demonstração de ciência inequívoca das partes contraentes, consoante interpretação dos arts. 220 e 221 do Código Civil (CC) e, em se tratando de relação consumerista, também do art. 46 do Código de Defesa do Consumidor (CDC)" (fl. 174).
A apelante não se conforma com esse posicionamento e busca, com razão, a reforma da decisão.
Data venia, não convence o argumento de violação ao dever de informação, à luz do Código de Defesa do Consumidor, até porque se sabe que em casos tais a estipulante assume a postura de gestora do contrato ou mandatária, de sorte que sendo comunicada dos lances da contratualidade, assim também das condições gerais e especiais da apólice, deverá dar ciência desses pormenores aos componentes do grupo segurado, conforme dispõem as normas que regulamentam o tema, principalmente o art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/66 e art. 3º, III, da Resolução-CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) n. 107/04.
Nesse sentido, colhe-se desta Corte de Justiça:
DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA SEGURADORA. [...] MÉRITO. CONTRATO REGIDO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO À INFORMAÇÃO ACERCA DAS CONDIÇÕES GERAIS NO SEGURO EM GRUPO. MODALIDADE CONTRATADA POR MEIO DE ESTIPULANTE, QUE AGE COMO MANDATÁRIA DO SEGURADO PERANTE A SEGURADORA (ART. 21, § 2º, DO DECRETO-LEI N. 73/1966). DEVER DE INFORMAÇÃO PERTENCENTE À ESTIPULANTE (ART. 3º, III, DA RESOLUÇÃO N. 107/2004 DO CNSP), E NÃO À SEGURADORA. PRECEDENTES. [...] SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.
1. A estipulante, na contratação do seguro em grupo, age como mandatária (representante) do segurado perante a seguradora, e em seu nome realiza os atos necessários à celebração do seguro (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/1966). Nessa modalidade, portanto, quem possui a obrigação de informar o segurado acerca das disposições contratadas é a estipulante. É o que prevê o art. 3º, inciso III, da Resolução n. 107/2004 do CNSP, segundo o qual é obrigação da estipulante - e não da seguradora 'fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato de seguro' [...]. (Apelação Cível n. 0309315-91.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 1º-8-2017)
Portanto, inviável, por este viés, a pretensão de afastar a incidência das regras atinentes à proporcionalidade entre o grau de incapacidade e o patamar da indenização securitária, circunstância que, ao fim e ao cabo, significa prestigiar o princípio da isonomia substancial, uma vez que viabiliza tratar desigualmente segurados em situações evidentemente distintas.
Em tal cenário, a amplitude do valor segurado pretendido para a cobertura é estranho ao contrato em questão, notadamente quanto aos riscos assumidos pela seguradora, valendo ressaltar que, dadas as peculiaridades e a complexidade do sistema securitário, especialmente em atenção à proteção à mutualidade, não se pode ampliar as coberturas ou os valores segurados por mera interpretação, ainda que sob o pretexto de favorecer a parte hipossuficiente, sob pena de se admitir perniciosa desarmonia na estrutura desse intrincado sistema.
A respeito do tema, Adilson José Campoy leciona:
1.4 A IMPORTÂNCIA DA TÉCNICA NA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO No dizer de Fanelli, a relação entre a estrutura técnico-econômica, de um lado, e a disciplina jurídica, de outro, é íntima e estreita no setor de seguros como talvez em nenhum outro da vida econômica, daí por que o jurista não pode, na interpretação do contrato de seguro, olividarse dessa estrutura técnico-econômica [...]. É mesmo indiscutível a influência da técnica na interpretação do contrato de seguros, e ignorá-la implica sério risco de se alcançar um resultado inadequado. Fabio Konder Comparato, citando Vivante, apregoa ser impossível tratar juridicamente do seguro com um mínimo de seriedade, se não se conhece sua estrutura técnica e sua função econômica (v. contra Adalberto Pasqualotto). É nessa mesma linha de entendimento que transitam nomes de elevado estofo da doutrina pátria, como J.J. Calmon Passos, Ovídio Araújo Baptista da Silva e Judith Martins-Cota, que apontam para as relações comunitárias ou transindividuais que se formam e se comunicam na operação de seguros (Capítulo 3, n. 3.1.), para ressaltar a influência da técnica não só na interpretação do contrato de seguro, mas para o próprio contrato de seguro. Não por acaso, aliás, o rigoroso controle estatal que incide sobre a operação. Vista, ainda que de modo parcial e superficial, a estrutura técnica em que se assenta o contrato de seguro, se conclui que não haverá uma correta apreciação jurídica que a desconsidere. (Contrato de Seguro de Vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p.23-24).
Por seu turno, Cristiano Imhof, em sua obra "Direito do Seguro", pinça interessantíssimos julgados de diversos tribunais pátrios, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, acerca dessa interpretação restritiva que preside essa espécie contratual:
TJDFT: 'E segue a doutrina mais abalizada. 'Uma das normas mais importantes para o contrato de seguro é a que determina a interpretação restritiva de suas cláusulas. É necessário aplicar estritamente as cláusulas convencionadas, sobretudo com relação aos riscos cobertos. Há muito correlação estrita entre a cobertura e o prêmio. Forçar esta correlação por via de interpretação extensiva poderá falsear as condições técnicas do contrato, em que repousa toda a garantia do seguro' (Pedro Alvin apud Martins, João Marcos de Brito. Direito de Seguro. Responsabilidade Civil da Seguradoras. 2ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense Universitária. Ano 2004. Página 194)' (Ap. Cív. n. 2010.01.1.016836-8, rel. Des. Mario-Zam Belmiro, j. 9.8.2012); STJ: 'A propósito do exposto, destaca SILVIO DE SALVO VENOSA (Direito Civil: contrários em espécie, v. 3, 11. ed., São Paulo: Atlas, 2011, p.359), a respeito da forma de interpretação do contrato securitário: 'Ainda, não é da essência do contrato de seguro que todo prejuízo seja ressarcido, porque, em princípio, o segurador compromete-se a pagar apenas o valor segurado. Por essa razão, dentre outras regras, a interpretação de um contrato de seguro é sempre restritiva' (REsp n. 1.177.479-PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15.5.2012); TJSP: 'Na hipótese, cabe a lição de PEDRO ALVIM, segundo a qual 'Uma das normas mais importantes para o contrato de seguro é a que determina a interpretação restritiva de suas cláusulas. É necessário aplicar estritamente os termos convencionais, sobretudo em relação aos riscos cobertos. Há uma correlação estreita entre a cobertura e o prêmio. Forçar essa correlação por via da interpretação extensiva poderá falsear as condições técnicas do contrato, em que repousa toda a garantia das operações de seguro. (...) Se as cláusulas da apólice estão redigidas com clareza ao delinear o risco coberto, não devem ser desvirtuadas sob o pretexto de interpretação para incluir coberturas que não estavam previstas ou foram expressamente excluídas no contrato' (O Contrato de Seguro, Forense, 3ª ed., p. 175/176)' (Ap. Cív. n. 9178710-11.2008.8.26.0000, rel. Des. Ferraz Felisardo, j. 31.10.2012). (Direito do Seguro. São Paulo: Editora Atlas, 2014. p. 6-7).
A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, com as adaptações necessárias ao caso, assentou que "o contrato de seguro é interpretado de forma restritiva" (REsp 1177479/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, rel. p/ ac. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 15-5-2012).
Em caso análogo ao dos autos, esta Corte de Justiça proclamou:
CIVIL - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - COBERTURA DE INVALIDEZ PERMANENTE TOTAL E PARCIAL POR ACIDENTE - CAPITAL SEGURADO - VALOR DA INDENIZAÇÃO - APLICAÇÃO DE TABELA REDUTIVA DO CAPITAL SEGURADO - CABIMENTO - CIÊNCIA DO SEGURADO - OBRIGAÇÃO DA ESTIPULANTE
É aplicável a redução variável do capital segurado com base em tabela constante nas 'Condições Gerais' do contrato, na medida em que indicada a existência de cláusula limitativa na apólice, cuja obrigação de cientificação não era da seguradora, mas da estipulante do seguro em grupo.
MEDIDA DA INVALIDEZ - DEBILIDADE PARCIAL CONSTATADA EM PERÍCIA MÉDICA - GRADAÇÃO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - POSSIBILIDADE
Demonstrado em perícia médica que a invalidez é parcial, deve o valor da indenização securitária corresponder ao percentual da incapacidade apurado pelo expert, calculado sobre o capital segurado pactuado. (Apelação Cível n. 0301380-40.2015.8.24.0058, de São Bento do Sul, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 15-8-2017).
E, do corpo do acórdão, extrai-se:
Ocorre que, caso constatado pelo médico perito que a incapacidade permanente não é integral, deve ser admitida a proporcional redução, uma vez que a apólice n. 56963 expressamente prevê a garantia para 'Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente (até)' (certificado individual, fl. 62). Assim, por correlação lógica, sabendo o segurado que a garantia prevista abarcava tanto a incapacidade total como a parcial, estaria ciente que o valor da indenização devida seria diverso caso fosse a debilidade integral ou não (frisese o termo 'até', inserto na apólice). Por evidente, quando a empresa faz a previsão de cobertura de invalidez parcial, considera os respectivos riscos e gastos com base na possibilidade de redução do valor conforme o grau da incapacidade. Pensar de forma diversa vai contra a mutualidade elemento essencial do contrato de seguro e o equilíbrio econômico-financeiro da avença, bem assim, o princípio da isonomia, porque se estaria remunerando de modo idêntico consumidor que sofreu prejuízo consideravelmente menor do que outro.
Antes de encerrar, ainda uma reflexão sobre a questão atinente ao suscitado dever de informação.
Diante dos inúmeros processos dessa natureza, impõe estabelecer como prova irrefutável nestes autos ser o autor/consumidor pessoa civilmente capaz, com o domínio das faculdades cognitivas ao tempo da celebração do contrato discutido, trabalhador e titular de direitos e obrigações. Exerce atividade remunerada, e, bem assim, não nega ter contratado o seguro reclamado e autorizado o desconto mensal do prêmio diretamente em seu contracheque, o que se deu de forma reiterada, sem qualquer oposição. Não se trata, portanto, de uma interdita, incapaz de compreender as coisas da vida e que precisa ser tutelada por alguém ou pelo Estado para a validade das suas decisões.
Faço o destaque porque o que tenho visto, em inúmeros processos nos quais se discutem cláusulas contratuais em contratos de seguro, é a invariável impugnação dos seus termos sob o manto do desconhecimento/ignorância (falha de informação), com esteio no Código do Consumidor, argumento este de larga amplitude, capaz de tisnar qualquer tipo de negócio e lançar dúvida sobre a boa-fé de uma das partes contratantes.
Essa lógica da desconfiança, ao meu sentir, destoa da presunção de boa-fé fixada pelo ordenamento civil (art. 113, CC/2002), das modernas práticas contratuais e da dinamicidade das relações negociais hodiernamente praticadas no Brasil e no mundo; modernidade, facilidade e praticidade, aliás, muitas vezes reclamada pelos próprios consumidores.
Por esse rumo, importa consignar que o contrato de seguro, mesmo se considerado como um contrato de adesão (art. 54, CDC), deve ser interpretado de forma mais favorável ao aderente somente quando as cláusulas forem ambíguas ou contraditórias, conforme expressamente estabelece o art. 423, do Código Civil de 2002.
Daí porque, adverte-se, a tese suscitada fundada na "falta de informação" reclama a observância pelo julgador da máxima latina "nemo auditur própriam turpitúdinem állegans" (ninguém pode ser ouvido alegando a própria torpeza).
À luz dessa compreensão, pois, sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça tem assentado reiteradamente ser dever da Seguradora informar o consumidor sobre os termos dos contratos que celebra, notadamente em relação às cláusulas restritivas, conforme preconizado pelo Código do Consumidor, este invocado sob o prisma do dever de informação.
Essa obrigação de informar se dá diretamente em relação ao consumidor, nos contratos individuais, mas indiretamente nos contratos de seguro em grupo, pois aqui a cientificação direta ocorre na figura do estipulante, este que sabidamente não representa a Seguradora, mas sim os integrantes do grupo segurado (art. 801, CC/2002). O Superior Tribunal de Justiça assim interpretou no AgRg no AREsp 589.599/RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva.
No tocante ao estipulante, gize-se, a lei civil expressamente estebelece ser ele "[...] o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais" (§ 1º).
Nesse caminhar, inevitável concluir que, se a Seguradora providencia a comunicação do estipulante sobre os termos do contrato de seguro, cabe a este, como representante dos segurados, repassar os termos contratados aos beneficiários, exatamente nos termos da Resolução n. 107/2004 do Conselho Nacional de Seguros Privados (art. 3º).
De sua vez, importante aqui reconhecer ainda a formalidade dinâmica das relações comerciais no âmbito dos contratos de seguro, baseadas na boa-fé das partes em suas declarações, sendo fato público e notório que a prática contratual moderna tem dispensado a chancela física de documentos pelas partes, até porque os "produtos" oferecidos pelas Seguradoras precisam ser previamente aprovados pelos órgãos reguladores para se permitir sua comercialização.
Assim, por ocasião da celebração dessa espécie de contrato, estabelece-se uma relação de confiança mútua que deve ser preservada, pois nela reside a aceitação das partes sobre as diversas formas de comunicação posterior dos documentos que representam o ajuste celebrado, desde a tradicional correspondência via correios até a disponibilização do teor dos contratos em sítios próprios na internet. Essa é a realidade que não pode ser recusada em negócios dessa natureza e que conta com o reconhecimento comum como prática aceita para a sua validade.
De outra ponta, não se pode desconhecer que os valores dos prêmios pagos pelos segurados são calculados conforme o risco do tipo de seguro contratado, de modo que, sabidamente, um contrato com cláusula de proporcionalidade, além de não configurar qualquer ilegalidade, pois atende ao princípio da indenização segundo a extensão dos danos (art. 944 do Código Civil), tampouco se traduzindo em "cláusula ambígua ou contraditória" diante da similitude à disciplina adotada na lei do seguro DPVAT, proporciona ao consumidor aderente o pagamento de prêmio mensal em valor reduzido e em seu benefício.
Daí porque, no caso presente, observando-se que o consumidor efetivamente contratou o seguro, fez os pagamentos mensais sem qualquer insurgência durante a contratualidade, recebeu cópia da apólice, e ainda, constando dos autos a documentação do seguro dando conta da existência de cláusula de proporcionalidade da indenização em caso de lesão indenizável, devidamente recebida pela estipulante (fl. 29), tenho que a ciência inequívoca encontra-se preenchida para efeito da aplicação integral das cláusulas contratadas.
Por fim, destaco a incidência da norma processual expressa segundo a qual "o juiz aplicará as regras da experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece [...]" (art. 375, CPC/2015), o que penso aplicável em hipóteses como a presente.
Por essas razões, inviável considerar o montante total do capital segurado para o caso de invalidez permanente parcial, devendo ser alterada a sentença, a fim de que o grau da lesão seja observado no cálculo da indenização, em conformidade com a tabela das cláusulas gerais.
Não merece amparo a alegação do recorrido de que a invalidez deve ser aferível conforme a atividade profissional (fls. 10-11) pelo simples fato de o contrato de seguro não prever o pagamento de indenização com base na eventual incapacidade laborativa, a qual, ademais, sequer foi comprovada no feito.
Como se sabe, a cobertura pretendida (de Invalidez Permanente por Acidente - IPA) encontra-se regulada nos arts. 11 a 14 da Circular n. 302/2005 da Susep da seguinte maneira:
Art. 11. A cobertura de invalidez permanente por acidente garante o pagamento de uma indenização relativa à perda, à redução ou à impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto.
Art. 12. Após conclusão do tratamento, ou esgotados os recursos terapêuticos disponíveis para recuperação, e constatada e avaliada a invalidez permanente quando da alta médica definitiva, a sociedade seguradora deve pagar uma indenização, de acordo com os percentuais estabelecidos nas condições gerais e/ou especiais do seguro.
§ 1º Não ficando abolidas por completo as funções do membro ou órgão lesado, a indenização por perda parcial é calculada pela aplicação, à percentagem prevista no plano para sua perda total, do grau de redução funcional apresentado.
§ 2º Na falta de indicação exata do grau de redução funcional apresentado, e sendo o referido grau classificado apenas como máximo, médio ou mínimo, a indenização será calculada, na base das percentagens de 75%, 50% e 25%, respectivamente.
§ 3º Nos casos não especificados no plano, a indenização é estabelecida tomando-se por base a diminuição permanente da capacidade física do segurado, independentemente de sua profissão. (grifou-se).
Observa-se que a indenização por perda parcial é calculada pela aplicação do grau de redução funcional do membro atingido, não tendo como parâmetro a incapacidade para o exercício da profissão do segurado.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. INVALIDEZ PERMANENTE TOTAL E PARCIAL POR ACIDENTE - IPA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIDA INVALIDEZ PARCIAL. INDENIZAÇÃO PAGA ADMINISTRATIVAMENTE EM VALOR SUPERIOR AO DEVIDO. RECURSO DO AUTOR.
SUPOSTA ILEGALIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS QUE RESTRINGEM O VALOR DA INDENIZAÇÃO NO CASO DE INVALIDEZ PARCIAL. ALMEJADA COBERTURA INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO DE COBERTURA PARA INCAPACIDADE TOTAL E PARCIAL. CONDIÇÕES CLARAS E BEM DELIMITADAS. ENQUADRAMENTO DA LESÃO À TABELA DA SUSEP QUE NÃO REPRESENTA VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS CONSUMERISTAS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO CONTRATO DE SEGURO (ART. 757 DO CÓDIGO CIVIL). PERÍCIA JUDICIAL QUE ATESTOU A INVALIDEZ PARCIAL DA AUTORA. INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL À EXTENSÃO DA LESÃO. PROFISSÃO DA SEGURADA QUE NÃO É RELEVANTE PARA A COBERTURA PRETENDIDA.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Apelação Cível n. 0021496-31.2013.8.24.0020, de Criciúma, rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 30-1-2020). (grifou-se)
Além disso, inexiste no contrato firmado com a empresa empregadora qualquer previsão quanto à incapacidade para o trabalho, mas apenas à redução funcional do membro (fl. 83 - cláusula 3.2), que, no caso do insurgente, se trata da redução funcional de 50% do ombro esquerdo, conforme laudo pericial (fl. 141).
De todo modo, o expert asseverou que "o autor não está impossibilitado de exercer qualquer tipo de trabalho, apresenta déficit funcional. O autor retornou ao trabalho que exercia antes do acidente" (fl. 141).
Dessa forma, não merece amparo o aludido argumento.
O apelado não impugnou, na exordial, o percentual considerado administrativamente pela apelante, sendo prescindível maior debate acerca deste aspecto, mesmo porque atendeu aos ditames contratuais, já que a seguradora levou em consideração a previsão contratual de 25% para o caso de anquilose total de um dos ombros (fl. 85), bem como a apuração pelo expert da perda funcional de 50% em relação ao ombro esquerdo (fl. 141), alcançando a indenização em 12,5% sobre o capital segurado (R$ 25.299,18), equivalente a R$ 3.162,39, já pago extrajudicialmente.
Busca o demandante, apenas, a incidência de correção monetária desde a contratação do seguro (27-2-2014 - fl. 29), o que merece acolhimento, porquanto não incluída no valor da indenização paga em 6-6-2014 (fl. 2).
Na mesma toada, colhe-se deste Sodalício:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRETENSÃO DE PAGAMENTO INTEGRAL DA COBERTURA SECURITÁRIA EM RAZÃO DE INVALIDEZ POR ACIDENTE. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. [...]
RECURSO DA SEGURADORA. CORREÇÃO MONETÁRIA QUE DEVE INCIDIR DESDE A DATA DA CONTRATAÇÃO DO SEGURO OU DA ÚLTIMA RENOVAÇÃO DA APÓLICE. HIPÓTESE DOS AUTOS EM QUE O CAPITAL SEGURADO JÁ SE ACHAVA CORRIGIDO QUANDO DA OCORRÊNCIA DO SINISTRO. CORREÇÃO, TODAVIA, QUE OPERA DESDE A DATA DA ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO DO CAPITAL SEGURADO. [...] (Apelação Cível n. 0300378-04.2015.8.24.0036, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2019). (grifou-se)
Destarte, acolhe-se parte do reclamo, a fim de alterar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais, apenas no que diz respeito à incidência da correção monetária sobre o valor indenizatório desde a data da celebração do ajuste, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Ao arremate, diante da alteração do julgado neste grau de jurisdição e por ter o autor decaído de maior parte dos pedidos iniciais, necessária a redistribuição dos encargos sucumbenciais.
Para o arbitramento da mencionada verba, foram consideradas as diretrizes previstas no § 2º do art. 85 do CPC, na medida em que (i) o litígio em apreço não se reveste de alta complexidade; (ii) foram apresentadas pela parte ré a contestação, quesitos ao expert, manifestação ao laudo pericial, alegações finais e apelação; (iii) os procuradores do litigante vencedor desempenharam adequadamente a função para a qual foram contratados, obtendo êxito no apelo, tendo atuado com zelo no exercício do encargo, sempre atendendo a intimações e prazos para manifestação durante o trâmite dessa fase processual, que perdura desde 28-7-2014.
Assim, condeno o demandante ao pagamento integral das custas processuais e da verba honorária em favor dos patronos da requerida, a qual fixo em 10% sobre o valor da causa (R$ 22.136,79 - fl. 15), devidamente atualizado, ficando suspensa a exigibilidade em face do benefício da justiça gratuita deferido ao demandante à fl. 45, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015.
Por último, não há falar em honorários recursais (art. 85, § 11, do Código de Processo Civil) no caso vertente, ante a fixação dos honorários sucumbenciais neste julgado, consoante interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.573.573/RJ, do qual se extrai:
Os honorários advocatícios recursais aplicam-se aos casos de não conhecimento e de improvimento, já que na hipótese de provimento é devolvido ao julgador o integral redimensionamento da sucumbência. No momento desta nova redistribuição dos ônus sucumbenciais, que comporta inclusive eventual inversão, é salutar que o julgador, por questão de coerência com o sistema processual atualmente em vigor, realize a nova fixação dos honorários advocatícios também levando em consideração o trabalho adicional exercido pelo advogado da parte vitoriosa no grau recursal.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para julgar parcialmente procedentes os pedidos iniciais e, tendo decaído de grande parte dos pleitos, condenar o autor ao pagamento integral das custas processuais e da verba honorária em favor dos patronos da suplicada, nos termos da fundamentação, ficando suspensa a exigibilidade em face do benefício da justiça gratuita, consoante o art. 98, § 3º, do CPC.
Gabinete Des. Luiz Felipe Schuch